Taís Farias Ribeiro

Eles estão espalhados por toda a casa, no quarto, cozinha ou banheiro. Os bens de consumo representam grande parte do orçamento familiar. Nesta conta, entram desde os eletrodomésticos e eletrônicos até produtos de higiene, limpeza e alimentação. Em junho, dados divulgados pelo IBGE apontaram uma queda de quase 80% na produção de bens de consumo duráveis e não duráveis. O número é um reflexo direto da crise trazida pela Covid-19, que, desde março, está lançando as empresas em uma jornada de transformação que passa pela revisão de suas ofertas e digitalização dos canais de venda.

O impacto desse processo para as gigantes globais que atuam no Brasil não tem sido, exatamente, linear. Álvaro Garcia, diretor de marketing da Mondelez Brasil, conta que a demanda da companhia viveu momentos de pico, com alta procura em algumas categorias. Com o desenrolar do distanciamento social, cresceu o consumo em casa com destaque para produtos que despertam sensações positivas no consumidor por meio do paladar. “Notamos uma alta nas categorias de biscoitos e chocolates, nas quais atuamos com marcas como Oreo, Club Social, Lacta e Bis. Também houve alta na procura pelo fermento Royal, uma vez que as pessoas passaram a ter o hábito de cozinhar mais em casa”, explica Álvaro.

A Nestlé viveu um momento parecido. Duas ondas de compras foram observadas. Em março, a demanda ganhou ritmo de estocagem e acelerou as vendas de produtos como leites, cafés, suplementos, papinhas e cereais. A segunda leva marcou a adaptação do consumidor à rotina em casa com a linha essencial de alimentos, chocolates e biscoitos. A Johnson & Johnson acompanhou o crescimento de outras duas categorias de produtos: higiene e limpeza.

Em meio a uma crise sanitária, que tem como um de seus protocolos principais a lavagem das mãos, a procura e abastecimento de produtos relacionados à limpeza foi sensível. Mas, com a estabilização das vendas, a empresa prevê um segundo semestre positivo impulsionado pelo crescimento da marca de cuidados Neutrogena e outros rótulos de proteção solar.

Digitalização das ofertas
A pandemia também teve papel de acelerador dos processos de transformação digital que estavam em desenvolvimento. Apesar de serem companhias com estruturas globais de pesquisa, inovação e tecnologia, o momento exigiu que a digitalização também chegasse até as pontas de contato com o consumidor que, por sua vez, descobriu novas formas de comprar e se relacionar com suas marcas preferidas. “Acreditamos que ter foco no consumidor, entender e reagir à demanda rapidamente é o que faz a diferença na estratégia de uma empresa ou marca”, afirma Ricardo Wolff, vice-presidente de estratégia e marketing da J&J Consumer Health. No período, a empresa observou o crescimento da tendência por parte dos clientes de mesclar os canais de venda físicos e digitais e passou a usar o e-commerce como teste para novidades, como novas embalagens e promoções Exemplo desse esforço, o Clube Bem Comigo é um site de compras exclusivo da J&J em que o consumidor escolhe os produtos e a data em que deseja recebê-los de maneira avulsa ou mensal.

O investimento em canais digitais proprietários ou ao lado de outros serviços, como aplicativos de entregas e marketplaces, fez com que uma fatia expressiva das vendas migrasse para o online. “Tivemos crescimento de canais próprios e de participação em canais parceiros, inclusive nos aproximando de startups que nos permitem flexibilizar e agilizar a criação de novas soluções digitais”, conta Frank Pflaumer, vice-presidente de marketing e comunicação da Nestlé Brasil. A Procter & Gamble também se aproximou do ecossistema das startups nesse período. Em junho, lançou a P&G Aceleradora Social para impulsionar projetos que possam colaborar na redução do impacto da pandemia de Covid-19 sobre vários setores da sociedade. A ideia é selecionar projetos focados em necessidades geradas pelo cenário atual.

A necessidade de concentrar os investimentos no digital levou a equipe de e-commerce da Nestlé saltar de seis para 110 pessoas. A companhia acelerou a iniciativa Nestlé Até Você, uma plataforma B2B para atender os pequenos varejistas. Ela também funciona como um braço para ampliar os serviços dos distribuidores autorizados, que podem atuar como consultores para os varejistas. Também pensando no pequeno negócio, a empresa apresentou o Mercado Até Você, que permite que os comerciantes criem gratuitamente uma página de venda online com acesso ao portfólio Nestlé.

Algumas datas comemorativas serviram de teste para a adaptação e eficiência dos canais digitais. Durante a Páscoa, a Mondelez lançou uma loja online exclusiva para a data com Lacta. A companhia atrelou todas as comunicações digitais à conversão e firmou parceria com apps de delivery como Rappi e Uber Eats para disponibilizar o portfólio de produtos. Segundo a empresa, o resultado foi um crescimento de 700% nas compras online, na comparação com 2019. Hoje, a marca investe na Bombo Box, loja proprietária hospedada no Rappi que oferece diversos combos de produtos para atender consumidores em diferentes momentos de compra. O foco em conversão nas ações também continua, com iniciativas que inserem tecnologia QR code para lives e programas como Domingão do Faustão e Big Brother Brasil, da Globo.

Com a flexibilização já em curso, os anunciantes miram o segundo semestre de 2020 com olhos otimistas. “A Nestlé no Brasil conta com equipes e ferramentas dedicadas que permitem entender, de forma mais rápida, o novo perfil de consumidor que está surgindo com a pandemia, promovendo insights e auxiliando na adoção de ações ágeis para responder a suas necessidades”, aposta o vice-presidente de marketing e comunicação da companhia. Frank afirma que, mesmo com o período desafiador, a empresa alcançou números positivos de produção e eficiência operacional nos últimos três meses. Recentemente, a companhia confirmou um investimento de mais de R$ 700 milhões no Brasil até dezembro.

A Mondelez prepara lançamentos na categoria de chocolates e a J&J aposta na categoria de skin health, que vem atingindo bom desempenho com o consumidor que está mais atento ao autocuidado. “Minha visão para o segundo semestre é positiva. Os cuidados básicos e cuidados pessoais continuarão com alta demanda. Em um cenário com diversas opções de produto e com diferentes preços, é preciso apresentar uma clara oferta de valor ao consumidor”, afirma o vice-presidente de estratégia e marketing da J&J Consumer Health.

A íntegra desta reportagem está publicada na edição especial Agências & Anunciantes, de Meio & Mensagem, que até o fim do mês pode ser acessada gratuitamente pela plataforma Acervo.